Ao ler a história do meu amigo Nana Reis em seu site.- http//:cms.nanareis.webnode.com.br - não fique impressionado nem me espantei, porque algo parecido já me aconteceu. Não com um pato como ele relata em sua história, mas num apartamento que quando me mudei de São Paulo para Campinas, travei contacto com algo sobre natural e ao mesmo tempo modificador. Foi em meados de 8o, mais precisamente em 84 que após um mês transferido para uma empresa em Campinas e tive que arrumar um apartamento para morar. Queria um apartamento por ser mais cómodo e seguro. Mas, parece que as razões que fogem a nossa razão atuam em nossas vidas, as vezes. Eu acabei encontrando um apartamento pequeno num edifício no centro da cidade de apenas 4 andares sem elevador e dois apartamento por andar. Era na verdade um local bem familiar. E fiquei contente. Dona Glenda era a mulher que cuidava de todas as coisas do prédio. Uma mulher muito carinhosa de seus sessenta e poucos anos, mas muito ativa, ou pro ativa como se diz hoje. E me mudei sem mais transtornos.O meu apartamento era o oitavo, logo no último andar de frente para um outro apartamento que sempre estava com a porta fechada. Me instalei e toquei a vida. Subir e descer todos aqueles andares seria um bom exercício. E sem mais nem menos num dia, quando eu não pensava em nada e estava indo para o trabalho a porta do apartamento de frente se abriu justamente no momento em que eu ia saindo. Uma senhora, com mais de oitenta anos apareceu e como se olhasse para tantas coisas além de mim, começou a falar. Falava de seus filhos, da casa, do apartamento. E eu querendo ir trabalhar. Perguntei o seu nome, interrompendo a sua conversação mas ela nem me respondeu e continuou a falar, falar. Bem! Eu a interrompei novamente e pedi desculpas dizendo que tinha que trabalhar. Lhe sorri e coisa e tal e foi educado e a deixei falando sozinho. Desci dois degraus e olhei para atrás e tudo estava silencioso. A porta havia se fechado e acho que magoei aquela senhora. O que eu podia fazer. Eu tinha que trabalhar. Voltei a noite e a porta estava fechada. Pensei em bater e pedir desculpa e conversar com ela, quer dizer ouvi-la, mas eu estava cansado e achei melhor deixar pra lá.
Na manhã seguinte lá estava ela, tagarelando sobre os seus filhos a casa os cachorros, e fiquei ouvindo-a até que tive que sair novamente e ela se trancar em sua casa. Novamente no dia seguinte e nos outros e até que se se passou duas semanas e eu não aguentava mais ouvir aquela senhora. Pensei em acordar mais cedo, para não encontra la, mas a qualquer hora da manhã que eu abrisse a porta lá estava ela.. Fui falar com com Dona Glenda logo que cheguei a tarde, e ela com um sorriso no rosto perguntou se estava tudo bem; se eu estava gostando do apartamento e precisava de alguma coisa. Eu disse que estava tudo bem, mas apenas que aquela senhorinha me estava incomodando. Eu não queria ser mal educado com ela, mas ela me pegava todas as manhas para reclamar de seu problemas.
- Eu sei que as pessoas de idade precisam de atenção, mas é que me falta tempo- Completei.
Dona Glenda me olhou com surpresa.
- De quem você está falando, meu filho!
- Daquela senhora que mora no apartamento enfrente ao meu.
Dona Glenda, sorriu.
- Não mora ninguém naquele apartamento. Naquele andar só há você.
Fiquei gélido de espanto.
- Não é possível! todos os dias eu converso com ela!
- Uma senhora! Dona Mirtes morou lá a muito tempo, fazem dez anos que ela morreu. O seu apartamento esta em processo de partilha com os filhos que nunca vieram vê-la, nem nos natais. Ela morreu de desgosto. Ah! eu tenho uma foto dela, do último natal que ela passou comigo.
Dona Glenda foi correndo pegar a fato e não deu tempo de nem mesmo respirar e ao ver a foto, gritei que era ela. Dona Glenda contra argumentou que não podia ser. Mas enfim. depois de um silêncio, achamos melhor que na manhã seguinte dona Glenda levantasse as 6 da manhã como eu e subisse até o meu apartamento tomaríamos café junto e quando saissimos ela viria o que eu vejo, ou então provaria que eu estou ficando louco.
Confesso que não dormir por aquela noite, e na manhã seguinte dona Glenda estava lá e depois de tomarmos o café juntos saímos e então a velha apareceu. Dona Glenda a viu, assim como eu provando que eu não estava louco. Dona Glenda ficou emocionada e tentou se aproximar da amiga, mas ela desapareceu fechando a porta repentinamente. Eu e Dona Glenda ficamos olhando um para o outro.
- O que vamos fazer!- perguntei.
- Vou pedir para rezar uma missa para ela. O seu espírito esta magoado e não foi para a luz.
Eu concordei. E descemos. Mas as palavras de Glenda ficaram em meus pensamentos, e ao saber que aquela senhora em espírito estava magoada, tirou todo o medo que eu tinha da situação. Dona Mirtis podia esta morta mas era um ser humano, que estava sofrendo uma mágoa terrível que não podia deixa-la ir para onde tinha que ir. Não sou espirita. E não entendo nada de vida após a vida.Eu estava apenas olhando para aquela mulher com os olhos da compreensão de um ser humano, estando vivo ou morto. Apreendi que a mágoa a dor vai com a gente aonde formos. Eu olhei para mim e vi, que aquela mulher precisava de alguém que lhe desse atenção. A atenção que os filhos e os netos lhe negaram por tanto tempo quando ela estava viva. E então na manhã seguinte acordei mais cedo uma hora mais cedo, e abri a porta e lá estava Dona Mirtes. Então olhei para ela com sorriso, e amizade, e deixei ela falar, falar, falar até ela se cansar. E quando ela desapareceu eu fui trabalhar. Na manhã seguinte a mesma coisas, nas outras também, até que um dia ela fez uma coisa que nunca tinha feito. Ela sempre que falava, não olhava em meus olhos, olhava para além de mim. Mas depois de tanto ouvi-la, depois dela ter dito tudo o que estava dentro dela, em suas mágoas e ódios e dores, ela pareceu aliviada e quando ia silenciado-se depois de falar tanto. Olhou em meus olhos e sorriu como que agradecendo a minha atenção. Eu dei-lhe um bom dia e fui trabalhar, na manhã seguinte acordei uma hora mais cedo, e abrir a porta pronto para ouvi-la. Mas ela não veio. Não veio nunca mais. Fiquei contente, e maravilhado com a possibilidade de descobrir em mim a capacidade de ouvir uma pessoa, mesmo estando morta, como no caso. E ouvir, é tão bom, porque as vezes as pessoas querem desabafar, tirar de dentro de si algo que não conseguem carregar e não tem que as ouças. Ouvir apenas, sem precisar dar conselhos ou conceitos qualquer. Daquela experiência em diante apreendi a ouvir, a ouvir inclusive os meus filhos, meus amigos, a minha mulher e a mim mesmo.