Preto e branco o ódio e na cor
o amor.
Não foi nada fácil ver a face daquele
desgraçado a dois metros de mim. O destino o, pois frente aos meus olhos, dos
meus sentimentos e da minha dor. Dois anos antes, esse desgraçado matou o meu
filho numa dessas festas Havei. Esse desgraçado metido em suas drogas, nem
pensou duas vezes em enfiar a cabeça de meu filho debaixo de seu carro. Foi
preso, pagou fiança e responde o processo em liberdade. Um país que têm leis
que privilegia assassinos só não vira
uma carnificina porque a maioria das pessoas são do bem. E os vagabundos com
esse desgraçado que matou o meu filho são poucos.
Quando vi esse desgraçado no bar bebendo,
feliz, como se o meu filho não tivesse a menor importância, e não teve
mesmo para ele. Senti os meus sentindo sair de mim e o violento ser que me
habita dominou.
Um vez Einstein perguntou a
Freud se a violência no ser humano um dia desapareceria diante da
evolução tecnológica e descobertas cientificas. Freud disse que não,
porque a violência é natural do ser humano. Todos temos.
E
se todos têm, é natural.
Resolvi seguir esse vagabundo e descobri onde
ele mora e estuda. Não contando com mais nada na vida, nem Deus, religião,
justiça eu me tornei um ser propulsionado apenas pela vingança. Vingar a morte
de meu filho e limpar o mundo desses vagabundos. Se todos nós temos
a violência, então quando alguém a pratica contra
alguém desperta em outros a mesma violência nesse alguém.
É um ciclo, uma esfera, que quando se entra não consegue sair. E não consegui.
Um dia ao ver esse vagabundo sair da
faculdade, o segui com o meu carro e o vi ir para o centro da cidade, e entrar
num cinema pornô onde descobri que também se vendem drogas.
Entrei nesse cinema, e procurei pelo
vagabundo.
O cinema estava lotado, e havia um andar
superior aonde as pessoas iam lá para transar. Havia alguns banheiros imundos e
saletas escuras. E numa dessas saletas vi o desgraçado sair.
Corri para alcançá-lo. E sutilmente ofereci
dinheiro a ele pra comprar mais droga. Eu disse que queria também. Ele nem
perguntou como eu sabia que ele comprava drogas e tão pouco reconheceu o meu
rosto. Pegou o dinheiro e foi para o fundo do cinema num lugar mais
podre ainda, onde o cheiro de acetona e maconha sendo fumado dominava.
O
segui e vendo outro banheiro e foi quando empurrei aquele desgraçado para
dentro, trancando a porta e o vendo passivo sem reação alguma.
Aquilo me irritou ainda mais.
-
Não se lembra de mim seu filho da puta. - gritei, ecoando a minha voz entre os sussurros de
orgasmos e as frases de sexos que vinham do filme pornô sendo exibido.
Aquele desgraçado que matou o meu filho se
manteve dominado pela droga, irracional.
-
Você matou o meu filho! - gritei em desespero de minha dor e minha revolta
-
Quem é o seu filho! - o desgraçado me perguntou. E então não resisti lhe dei um
soco jogando-o para a parede onde ele caiu me olhando.
Aproximei-me com todo ódio do mundo e o
peguei pelos colarinhos e meti outro soco, e depois outro, e ele ainda me
olhando. De alguma forma aquilo me aliviava a dor da perda de meu filho, o ódio
porque o matou e estava livre se drogando. Tomei o seu pescoço e comecei a
esganá-lo.
Quando dois homens empurraram a porta do
banheiro e entraram prontos para me pegarem. Então deram vida aquele
desgraçado e me socaram, eu não me conhecia, não sabia de todo ódio
e violência que tinha e que me fez encarar aqueles dois homens.
Me baterão sem que eu senti-se dor alguma.
E ao encará-los soquei os dois batendo com suas cabeças na parede, depois os
tranquei no reservado e voltei para matar aquele vagabundo que matou o meu
filho.
Caído ao chão, o pus a minha altura e
armei o meu punho para lhe dar outro soco e amassar a sua cabeça como ele fez
com o meu filho. Mas não pude.
Ele abriu os olhos, e vi em seu olhar o
olhar de meu filho.
Tentei não ver esse olhar, mas não pude.
Não foi esse o pai que por toda a existência
de meu filho lhe mostrei ser. Eu nunca bati em meu filho, eu sempre lhe disse sobre
a força de se ser honesto, integro, e compreender os outros. Não, não pude naquele momento trair tudo o que ensinei
ao meu filho, matando outro filho.
Embriaguei - me das lembranças de meu
filho ouvindo com atenção os meus ensinamentos, os meus conceitos, o meu amor
de pai para ele, e onde quer que ele esteja eu não pude deixar de ser o pai que
sempre fui para ele.
Eu
não sei o pai que esse moleque que matou o meu filho tem, nem o pai que talvez
um dia ele viesse a ser. O que eu não pude,
não poderia jamais é deixar de ser o pai que sempre fui para o meu filho.
E contrariando a observação de Freud, eu
abri mão da violência. E deixei aquele ser cair e tentei ir embora, mas
voltei. O Tomei nos braços e sai do banheiro passando por pessoas que na
droga nem se importavam com aquele ser que eu carregava. Talvez pensassem que
fosse o pai daquele jovem, nem o porteiro do cinema se importou. Apenas olhou
com estranheza. Botei o moleque no carro e o levei para o hospital. O
mesmo hospital que vi o meu filho pela última vez. Paguei a internação e depois
do diagnóstico do médico de que aquele cara que matou o meu filho
estava bem. Fui para o cemitério rezar na sepultura de meu filho é
mostrar mais uma vez para o meu filho, que podemos ser um pouco melhor do
somos. De alguma forma ter sentindo o desejo de vingança e socado aquele jovem
me fez bem.
E descobrir a força de entender os
sentimentos e saber deles, me lavou a alma e me fez mais tranqüilo. Desde a
morte de meu filho até aquele dia em que soquei o seu matador, o que habitava
em mim era a dor, o ódio e desejo de me vingar.
Na verdade eu não podia olhar para o meu
filho, na imagem que tenho dele dentro de minha alma, com ódio. E esse ódio é
que tava matando o amor que ele tinha por mim eu por ele. A imagem dos olhos de
meu filho com toda atenção para mim e amor dele, foi mais forte do que o meu
ódio e dor.
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